quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Publicidade infantil de alimentos não é regulamentada no país





Especialistas defendem a necessidade de regular esse tipo de propaganda


da redação do Jornal da Saúde
com informações da Carta Maior

A última pesquisa Vigitel divulgada pelo Ministério da Saúde revelou que o excesso de peso da população brasileira já pode ser considerado uma epidemia. Entre as crianças de 5 a 9 anos, pelo menos 15% estão obesas. Para conter esse avanço, especialistas defendem que é preciso regular a propaganda infantil de alimentos.

As crianças brasileiras estão entre as que mais assistem à TV no mundo todo. Enquanto elas permanecem em média três horas e 31 minutos por dia diante da televisão, as alemãs não ficam mais do que uma hora e meia. Considerando que esse meio de comunicação chega a cerca de 98% dos lares brasileiros, pode-se ter idéia do papel da televisão na formação de meninos e meninas. A publicidade televisiva, por meio de comerciais e mershandising, influencia no comportamento e no modo de pensar das crianças, resultando no crescente consumismo apresentado por elas nos últimos tempos. Esse foi o principal assunto discutido durante o I Fórum Internacional Criança e Consumo, realizado em São Paulo nesta semana, no qual especialistas e militantes defenderam que a propaganda destinada a crianças seja regulamentada no Brasil, a exemplo de outros países.

Desde 2001, está em tramitação na Câmara dos Deputados, um projeto de lei de autoria do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) que altera o Código de Defesa do Consumidor, proibindo a publicidade de produtos infantis. A Campanha “Quem financia a Baixaria é Contra a Cidadania”, organizada pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara em parceria com organizações da sociedade civil, colocou essa questão como prioritária e realizou, no ano passado, audiências públicas com o objetivo de construir coletivamente uma proposta, a partir desse projeto de lei.

Regulamentação

Após amplo debate com a sociedade civil, a deputada federal Maria do Carmo Lara (PT-MG), relatora da proposta na Comissão de Defesa do Consumidor, está concluindo que a grande maioria é favorável à regulamentação desse tipo de propaganda e não à proibição total. “Nisso também entra o aspecto da correlação de forças dentro do próprio Congresso Nacional. nós sabemos que existem os lobbies das emissoras, das empresas anunciantes e das empresas de marketing, que vão fazer uma pressão imensa. Estamos optando, em vez de apresentar um projeto proibindo, em dar o primeiro passo que é a regulamentação”, explica o deputado federal Orlando Fantazzini (PSOL – SP), coordenador da campanha.

O substitutivo da deputada vai propor que toda propaganda direcionada a crianças e adolescentes só possa ser exibida após as 22 horas, quando supostamente pais ou responsáveis estão em casa e vão poder analisar se o brinquedo, vestuário ou alimento anunciado é indispensável ou não para a formação de seus filhos. A decisão dos produtos a serem consumidos ficariam, assim, a cargo deles e não das crianças, muito mais vulneráveis aos apelos da publicidade. Esse seria apenas o primeiro passo a caminho da proibição total.

“Nós vivemos numa sociedade de uma desigualdade social enorme. A programação da televisão chega nas casas das famílias que têm um alto padrão de vida e dos miseráveis. Quando você instiga uma criança a praticamente exigir dos seus pais, que muitas vezes sequer têm os recursos para dar o sustento, algum tipo de produto, cria um problema psicológico tanto para a criança quanto para a família”, justifica o deputado Fantazzini. Para ele, a televisão deveria pautar-se por um processo de educação, não por um processo de consumo. “Nós não queremos que ela seja um instrumento que forme consumidores futuros e nem que seja um instrumento para ampliar o enorme conflito social dos dias de hoje”, justifica ele.

Outros países

Diversas pesquisas mostram que nos primeiros anos de vida a criança não sabe sequer distinguir entre o que são os programas das emissoras de televisão e as propagandas. Só por volta dos doze anos ela tem capacidade de entender perfeitamente o objetivo comercial da publicidade, ou seja, que a intenção do anunciante é vender o seu produto. Por conta disso, em janeiro de 2005, a Suécia proibiu completamente a propaganda para crianças na TV, após realizar um plebiscito, com mais de 80% das pessoas favoráveis à medida.

Em diversos outros países já existe legislação rigorosa que regulamenta essa questão, impondo limites e horários para esses comerciais serem veiculados. A Inglaterra, por exemplo, determina que a publicidade deve ser dirigida aos pais e limita o preço do que pode ou não ser anunciado, impedindo a veiculação de propaganda de produtos considerados muito caros. Além disso, toda a publicidade infantil inglesa é examinada e classificada previamente.

Em alguns países, como na Alemanha, crianças não podem apresentar publicidade de produtos sobre os quais elas não teriam conhecimento ou que não seriam do natural interesse delas, como anúncios de instituições bancárias. Na Espanha, entre outros lugares, artistas ou personagens de TV, como de desenhos animados e apresentadores de programas infantis, não podem participar de peças publicitárias por causa da influência que exercem sobre as crianças. O mershandising em programas infantis é vetado em diversos países e em outros essas atrações televisivas não podem ser interrompidos por anúncios publicitários.

Em certos lugares, a regulamentação não se restringe à publicidade televisiva, mas atinge também as embalagens dos produtos – que na Suécia devem ser neutras – e incluem a proibição do estímulo ao consumo excessivo de alimentos. É vetada a publicidade de produtos com brinquedos embutidos e figurinhas para colecionar, como fazem no Brasil alguns chocolates, cereais e lanches de redes de fast-food, o que praticamente força o consumo infantil. Os alimentos gordurosos ou doces consumidos em excesso podem levar a problemas nutricionais sérios como o sobrepeso e a obesidade, que vêm crescendo entre crianças e adolescentes brasileiros.

Sem restrições

Já no Brasil, tudo isso ocorre com tranqüilidade, pois praticamente não existem restrições. “Aqui nós temos o Código de Defesa do Consumidor, mas ele não é seguido. Nele se considera abusiva toda a publicidade que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança. Como a publicidade é uma atividade econômica, ela pode ser regulamentada, não é censura”, defende a advogada Noemi Friske Momberger, autora do livro “A Publicidade dirigida às Crianças e Adolescentes: Regulamentações e Restrições”.

Algumas pessoas argumentam que a proibição da propaganda para crianças inviabilizaria a existência de programas infantis. Mas nem todos concordam com essa premissa. “No Brasil, o modelo de financiamento da TV é feito pela publicidade, mas em outros países, é paga uma taxa na conta de energia elétrica. Existem outros modelos de sustentação da TV, além da publicidade. O problema da sustentação dos veículos de comunicação não é dos pais, muito menos das crianças, é problema de quem faz”, contra-argumenta Sergio Miletto, integrante da campanha e coordenador da Cives - Associação Brasileira de Empresários pela Cidadania, favorável ao banimento desse tipo de publicidade.

Vulnerabilidade infantil

Segundo a psicanalista infantil Ana Olmos, a televisão e a publicidade em si não são prejudiciais à criança, os efeitos provocados por elas dependem, na verdade, do uso que se faz delas. “Numa TV determinada pelos interesses do mercado, no entanto, a publicidade infantil conta com a vulnerabilidade da criança para capturá-la, do ponto de vista ideológico, de valores do mundo. Por trás das propagandas existe a idéia de que se você comprar tal produto vai se completar, se incluir, fazer parte das pessoas felizes, ricas e bonitas”, analisa.

Para o deputado Orlando Fantazzini, se não houver pressão social, o lobby das empresas e das concessionárias de TV pode fazer com que o projeto de lei não seja aprovado, mesmo propondo apenas a regulamentação. “Até porque tanto as emissoras quanto os anunciantes não têm compromisso com a cidadania, com os direitos da criança e do adolescente. Eles têm compromisso exclusivamente com a lucratividade, para elas o mercado está acima da publicidade”, resume. 

O Sistema Único de Saúde gasta, por ano, cerca de R$ 500 milhões para tratar doenças causadas pelo excesso de peso.

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