domingo, 15 de abril de 2012

Corrupção: crime contra a sociedade

                                                        Jornal do Brasil Leonardo Boff

(Transcrito do site do "Jornal do Brasil" de 15/4/2012)

     
Segundo a Transparência Internacional, o Brasil comparece como
um dos países mais corruptos do mundo. Sobre 91 analisados,
ocupa o 69% lugar. Aquela é histórica, foi naturalizada, vale dizer,
considerada com um dado natural, é atacada só posteriormente
quando já ocorreu e tiver atingido muitos milhões de reais e goza
 de ampla impunidade. Os dados são estarrecedores: segundo
 a Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo) anualmente ela
 representa 84.5 bilhões de reais. Se esse montante fosse aplicado
 na saúde subiriam em 89% o número de leitos nos hospitais; se na
 educação, poder-se-iam abrir 16 milhões de novas vagas nas escolas;
se na construção civil,  poder-se-iam construir 1,5 milhões de casas.

Só estes dados denunciam a gravidade do crime contra a

sociedade que a corrupção representa. Se vivessem na China muitos

corruptos acabariam na forca por crime contra a economia popular.

Todos os dias, mais e mais fatos são denunciados como agora com o

contraventor Carlinhos Cachoeira que para garantir seus negócios

infiltrou-se corrompendo gente do mundo político, policial e até

governamental. Mas não adianta rir nem chorar. Importa compreender

este perverso processo criminoso.

Comecemos com a palavra corrupção. Ela tem origem na

teologia. Antes de se falar em pecado original, expressão que não

consta na Bíblia mas foi criada por Santo Agostinho no ano 416 numa

troca de cartas com São Jerônimo, a tradição cristã dizia que o ser

humano vive numa situação de corrupção. Santo Agostinho explica a

etimologia: corrupção é ter um coração (cor) rompido (ruptus) e

pervertido. Cita o Gênesis: “a tendência do coração é desviante desde

a mais tenra idade”(8,21). O filósofo Kant fazia a mesma constatação

ao dizer:“somos um lenho torto do qual não se podem tirar tábuas

retas”. Em outras palavras: há uma força em nós que nos incita ao

desvio que é a corrupção. Ela não é fatal. Pode ser controlada e

superada, senão segue sua tendência.



Como se explica a corrupção no Brasil? Identifico três razões

básicas entre outras: a histórica, a política e a cultural.

A histórica: somos herdeiros de uma perversa herança colonial

e escravocrata que marcou nossos hábitos. A colonização e a

escravatura são instituições objetivamente violentas e injustas. Então

as pessoas para sobreviverem e guardarem a mínima liberdade eram

levadas a corromper. Quer dizer: subornar, conseguir favores mediante

trocas, peculato (favorecimentoilícito com dinheiro público) ou

nepotismo. Essa prática deu origem ao jeitinho brasileiro, uma forma

de navegação dentro de uma sociedade desigual e injusta e à lei de

Gerson que é tirar vantagem pessoal de tudo.

A política: a base da corrupção política reside no patrimonialismo,
na indigente democracia e no capitalismo sem regras.
No patrimonialismo não se distingue a esfera pública da privada. As
elites trataram a coisa pública como se fosse sua e organizaram o
Estado com estruturas e leis que servissem a seus interesses sem
pensar no bem comum. Há um neopatrimonialismo na atual política que dá
vantagens (concessões, médios de comunicação) a apaniguados políticos.
Devemos dizer que o capitalismo aqui e no mundo é em sua
lógica, corrupto, embora aceito socialmente. Ele simplesmente impõe a
dominação do capital sobre o trabalho, criando riqueza com a
exploração do trabalhador e com a devastação da natureza. Gera
desigualdades sociais que, eticamente, são injustiças, o que origina
permanentes conflitos de classe. Por isso, o capitalismo é por
natureza antidemocrático, pois a democracia supõe uma igualdade
básica dos cidadãos e direitos garantidos, aqui violados pela cultura
capitalista. Se tomarmos tais valores como critérios, devemos dizer
que nossa democracia é anêmica, beirando a farsa. Querendo ser
representativa, na verdade, representa os interesses das elites
dominantes e não os gerais da nação. Isso significa que não temos um
Estado de direito consolidado e muito menos um Estado de bem-estar
social. Esta situação configura uma corrupção já estruturada e faz
com que ações corruptas campeiem livre e impunemente.

Cultura: A cultura dita regras socialmente reconhecidas.
Roberto Pompeu de Toledo escreveu em 1994 na Revista Veja: “Hoje
sabemos que a corrupção faz parte de nosso sistema de poder tanto
quanto o arroz e o feijão de nossas refeições”. Os corruptos são
vistos como espertos e não como criminosos que de fato são. Via de
regra podemos dizer: quanto mais desigual e injusto é um Estado e
ainda por cima centralizado e burocratizado como o nosso, mais se cria
um caldo cultural que permite e tolera a corrupção.
Especialmente nos portadores de poder se manifesta a
tendência à corrupção. Bem dizia o católico Lord Acton (1843-1902):
”o poder tem a tendência a se corromper e o absoluto poder corrompe
absolutamente”. E acrescentava:”meu dogma é a geral maldade dos homens
portadores de autoridade; são os que mais se corrompem”.


Por que isso? Hobbes no seu Leviatã (1651) nos acena para
uma resposta plausível: “assinalo, como tendência geral de todos os
homens, um perpétuo e irrequieto desejo de poder e de mais poder que
cessa apenas com a morte; a razão disso reside no fato de que não se
pode garantir o poder senão buscando ainda mais poder”.
Lamentavelmente foi o que ocorreu com o PT. Levantou a bandeira da
ética e das transformações sociais. Mas ao invés de se apoiar no poder
da sociedade civil e dos movimentos e criar uma nova hegemonia,
preferiu o caminho curto das alianças e dos acordos com o corrupto
poder dominante. Garantiu a governabilidade a preço de mercantilizar
as relações políticas e abandonar a bandeira da ética. Um sonho de
gerações foi frustrado. Oxalá possa ainda ser resgatado.
Como combater a corrupção? Pela transparência total, pelo
aumento dos auditores confiáveis que atacam antecipadamente a
corrupção. Como nos informa o World Economic Forum, a
Dinamarca e a Holanda possuem 100 auditores por 100.000
 habitantes; o Brasil apenas,12.800 quando precisaríamos pelo
 menos de 160.000. E lutar para uma democracia menos desigual
 e injusta que a persistir assim será sempre corrupta e corruptora.


Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor

0 comentários:

Postar um comentário

 
Design by Wordpress Theme | Bloggerized by Free Blogger Templates | JCPenney Coupons