sábado, 24 de março de 2012

Mudanças Climáticas... Já ultrapassamos todos os limites possíveis, diz professor...


A população mundial não para de crescer. Hoje, somos cerca de 7 bilhões de pessoas, e a previsão é que, em 2080, quando provavelmente esse crescimento se estabilizar, sejamos 10 bilhões de pessoas. A grande questão debatida entre estudiosos e acadêmicos da área é como será possível fornecer recursos naturais do planeta, que são finitos, de maneira sustentável para toda essa população. Esse tema está em vasto crescimento, e, a toda semana, aparecem de 10 a 15 novos trabalhos científicos relevantes.

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) – grupo que trabalha para fornecer informações científicas, técnicas e socioeconômicas relevantes para o entendimento dessas mudanças, seus potenciais impactos, opções de adaptação e mitigação – está em fase de revisão do seu próximo relatório, que será publicado somente em meados de 2013. No dia 16/3, o professor da USP Paulo Eduardo Artaxo, que é membro do IPCC, esteve na ENSP para o primeiro Centro de Estudo da Escola de 2012. Em sua palestra, Artaxo apresentou, de maneira muito clara e concisa, dados preliminares do próximo relatório do Painel Intergovernamental.

De acordo com ele, a demanda por consumo mundial de energia cresceu em 50% de 1980 a 2010. “Estamos utilizando muito mais energia, porém a sustentabilidade e a disponibilidade a médio e longo prazo dessa energia é uma questão controversa que teremos de aprender a lidar ao longo deste século. Globalmente falando, podemos afirmar que nosso planeta já aqueceu por volta de 0,8ºC. Pode parecer pouco, mas, para o funcionamento do ecossistema, isso faz muita diferença”, constatou.  Confira, abaixo, a entrevista.

Informe ENSP: Qual é o atual panorama das mudanças climáticas no planeta e qual o principal problema em questão no momento?

Paulo Artaxo: É importante destacar que estamos mudando a face do nosso planeta de maneiras muito diferentes por meio da urbanização, agricultura, industrialização, entre outros, e, obviamente, isso tem impactos sobre a vida do planeta. Por essas mudanças ocasionadas pelo homem, cientistas e estudiosos da área cogitam o início de uma nova era geológica, chamada Antropoceno. E a grande questão é: O que faremos com todas essas mudanças e suas consequências? Esse questionamento é um dos pontos de debate da Conferência Rio+20 – Conferência das Nações Unidas em Desenvolvimento Sustentável, que acontecerá em junho na cidade do Rio de Janeiro.

As questões críticas são muitas, portanto não temos como eleger apenas uma. Além disso, elas não são isoladas entre si. Cada um dos ciclos biogeoquímicos acontece associado aos outros e também a uma série de questões socioeconômicas; uma delas é o crescimento da população. Há alguns anos, um grupo de pesquisadores publicou um artigo que estimava os limites quantitativos que temos para cada questão crítica de manutenção para o equilíbrio do nosso planeta. Entre os critérios definidos estão: a poluição química, a quantidade de aerosóis na atmosfera, as mudanças climáticas, a acidificação dos oceanos, a perda de ozônio na estratosfera e muitos outros. O grupo de pesquisadores quantificou esses impactos e mostrou que, com relação à perda de biodiversidade, à deposição de nitrogênio e às mudanças climáticas globais, nós já passamos os limites possíveis para a manutenção do funcionamento do sistema como ele é hoje. Além disso, já estamos próximos de ultrapassar também os limites da acidificação dos oceanos.

Além do ciclo do nitrogênio, o ciclo do carbono também é fundamental em nosso planeta, pois todos os seres vivos sobrevivem por causa da ciclagem do carbono. O problema é o aumento da concentração de dióxido de carbono na atmosfera causado pela emissão de combustíveis fósseis. Isso está alterando a ciclagem do carbono, e já podemos conferir suas complicações.

Hoje somos cerca de 7 bilhões de pessoas no mundo. Dar sustentabilidade de alimentos, bens e serviços, energia para essa quantidade enorme de gente não é tarefa fácil. E isso está se agravando, pois a população está crescendo, e a previsão é que este crescimento só se estabilize próximo da década de 2070, 2080, com cerca de 9 a 10 bilhões de pessoas. O grande desafio é: Como vamos fornecer recursos naturais, finitos, do nosso planeta de maneira sustentável para toda essa população?

Informe ENSP: Como está o desenvolvimento de energias alternativas para suprir a demanda da população?

Paulo Artaxo: Outra questão fundamental da sustentabilidade da população é a disponibilidade de energia. O consumo mundial cresceu quase 50% desde  a década de 1980 até 2010. No Brasil, a disponibilidade de energia nuclear e hidrelétrica é de menos que 15%. Então, podemos ver que cerca de 85% da energia consumida hoje vem de combustíveis fósseis, entre eles carvão, óleo e gás natural. Estamos utilizando muito mais energia, porém a sustentabilidade e a disponibilidade a médio e longo prazo dessa energia é uma questão extremamente controversa que teremos de aprender a lidar ao longo deste século.

Dados do relatório recente do IPCC sobre energias alternativas, publicado em dezembro de 2011, apontam que 83% da energia utilizada em nosso planeta é fóssil. E, apesar de falarmos a toda hora sobre energia nuclear, esta só contribui com apenas 2% da energia total. A quantidade de energia que chamamos de renovável fica em torno de 13%, dentre ela, a energia hidrelétrica (2%), energias geotérmica e eólica (0,2%), e energia por conversão direta solar (0,1%). Embora as energias renováveis e alternativas sejam a questão da moda, ao analisarmos os dados, é possível ver que seu uso ainda é ínfimo.

Informe ENSP: Já existem alternativas para a redução da emissão de gases danosos à atmosfera?

Paulo Artaxo: Hoje, temos algo em torno de 800 milhões de automóveis no mundo. A previsão e que, até 2050, eles cheguem a 2 bilhões de automóveis na terra. A consequência é óbvia. Com o aumento da queima de combustíveis, aumenta também a emissão de CO2, metano, óxido nitroso e muitos outros gases. Os Estados Unidos têm o maior número de carros do mundo. Em termos de emissão de gás carbônico, o Brasil tem uma taxa praticamente desprezível de emissões. Mas, se analisarmos separadamente os dados do estado de São Paulo, calculados pelo PIB per capita vezes o número de automóvel, este estado apresenta o mesmo nível de motorização que a Inglaterra, Dinamarca e Alemanha, que são países com grande frota.

Toda essa emissão e uso de combustíveis fósseis faz com que seja liberado na atmosfera cerca de um milhão de toneladas (7,7 gigatoneladas) de carbono por ano. Parte desse CO2 é absorvido pela vegetação (cerca de 2,7 gigatoneladas) e pelos oceanos (2,3 gigatoneladas de carbono). Mas, além disso, ainda temos a contribuição das emissões de queimadas (1,4 gigatonelada), e a diferença do que é emitido para o que é absorvido é o que fica na atmosfera, que está por volta de 4,1 gigatoneladas de carbono por ano. Não existe milagre! Se a emissão é maior, a solução é reduzir. O total das emissões dos gases de efeito estufa tanto pela queima de combustível quanto pelo desmatamento representa 50% dessas emissões.

O maior emissor de gases de efeito estufa em 2010 foi a China, acompanhada pelos Estados Unidos e, em terceiro lugar, Índia, Rússia e Japão. Porém, nas emissões per capita, a China representa menos de 1/3 das emissões per capita dos Estados Unidos. Do ponto  de vista da tendência histórica de emissões, dados do IPCC mostram que, entre 2005 e 2006, as emissões foram maiores que o cenário mais pessimista do IPCC. Em 2007 e 2008, a tendência continuou a mesma, e, em 2009, como tivemos uma grande recessão econômica mundial, a emissão caiu, mas, em 2010, voltou para o patamar anterior, e hoje já verificamos um crescimento na ordem de 3% ao ano.

Além do CO2 estar aumentando na atmosfera, ele também está aumentando nos oceanos, fazendo com que eles fiquem cada vez mais ácidos. Isso é preocupante porque a acidez do oceano controla a população de micro-organismos que dependem de calcário para construir o seu esqueleto. E isso é importante do ponto de vista da sustentabilidade dos oceanos.

Informe ENSP: Além da mudança natural ocasionada pelos ecossistemas, toda essa emissão piora o aumento da temperatura?

Paulo Artaxo: Do ponto de vista de indicadores de temperatura, podemos ver se a temperatura está aquecendo ou não pela extensão de gelo do Mar Ártico. Basicamente, o que se observa é que o mar já perdeu quase um milhão de quilômetros quadrados de gelo desde a época do degelo. Levar em consideração o papel dos oceanos na questão das mudanças climáticas é uma das grandes inovações trazidas no próximo relatório do IPCC. Ele tem papel fundamental. Se a temperatura está aumentando, o oceano tem de estar subindo de nível, e efetivamente ele está. Além disso, ele sofre derretimento das geleiras e também derretimento parcial da Antártica e da Groenlândia. Os oceanos estão subindo algo em torno de três milímetros por ano. Pode não parecer muito hoje, mas, em várias décadas, isso representa aumento significativo.

Outra questão nova e importantíssima do relatório é que agora podemos obter o nível médio do mar não apenas pela média global, mas também a medida diferenciada geograficamente. Com isso, a ciência já consegue descobrir onde e quando o aumento do mar será maior ou menor.

Não estamos alterando apenas a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera. Também estamos alterando o balanço de radiação na atmosfera, que afeta todos os processos energéticos do planeta. Como consequência de tudo isso, estamos aumentando a temperatura do planeta. O relatório do IPCC também traz uma análise comparatória do impacto de cada um dos gases do efeito estufa e do impacto das pastilhas de aerosóis no resfriamento do clima, além de abordar o papel das nuvens nesse resfriamento. Quando fazemos o balanço de todos esses componentes, verificamos que hoje estamos aprisionando muito mais gases na atmosfera do que em 1750. Isso é importante na medida em que esse aprisionamento colabora com o aumento da temperatura. O próximo relatório trará dados sobre quando, onde e de que maneira a temperatura está aumentando.

Uma análise feita desde a Idade Média até o ano 2000 mostra que a temperatura sofre uma enorme flutuação. Isso faz parte do sistema climático. Mas, a partir dos últimos 30 ou 40 anos, podemos ver claramente que a flutuação da temperatura superou e muito a flutuação natural ao longo dos últimos mil anos. Globalmente falando, podemos afirmar que nosso planeta já aqueceu por volta de 0,8ºC. Pode parecer pouco, mas, para o funcionamento do ecossistema, isso faz muita diferença. Só que esse aumento está longe de ser homogêneo no mundo. Entre  2001 e 2007, a temperatura teve aumento médio de 0,54ºC, mas, na região do Ártico, esse aumento foi de 1,6 a 2,3ºC. Esta é a região que mais sofre com o aumento de temperatura, sendo uma das razões o degelo, pois a neve reflete uma parcela enorme de radiação para o espaço e, em contrapartida, o oceano absorve muito mais essa radiação.

Uma pergunta óbvia, mas que todos fazem é: Será que este aumento da temperatura é realmente causado pelos combustíveis fósseis? Será que isso é um fenômeno natural ou é qualquer outra coisa que ainda não conhecemos? Esta é uma pergunta complexa e requer solução e métodos complexos. Modelos elaborados conseguem razoavelmente bem prever a temperatura dos últimos 150 anos, e isso é fundamental para começarmos a acreditar na previsão da temperatura para os próximos 150 anos. As previsões feitas por esses modelos são que, em um cenário mais otimista, a temperatura aumente cerca de 2ºC, e, em um cenário pessimista, a previsão é que a temperatura aumente em torno de 3,5º em média. Vale ressaltar que este aumento será totalmente diferenciado de região para região.

Mas esses são apenas cenários, pois, com o progresso da ciência, novos processos vão sendo embutidos nos modelos climáticos. Outra questão é que todos os processos interagem entre si e isso causa uma não linearidade para o sistema, o que aumenta a incerteza das análises. Mesmo assim, o IPCC não mudou suas previsões que serão publicadas no próximo relatório. Portanto, em um cenário mediano, pode ser esperado aumento médio da ordem de 3ºC, e ele será muito diferenciado geograficamente. Em primeiro lugar, os continentes se aquecem muito mais que os oceanos, porque a capacidade térmica da água é enorme quando comparada à capacidade térmica dos ecossistemas terrestres. Então, a previsão é que eles aqueçam de 2 a 2,5ºC, mas os ecossistemas terrestres podem aquecer até 4ºC em um cenário mediano, e o Ártico aquecerá cerca de 6,5 a 7ºC, afetando fortemente a sustentabilidade climática daquele ecossistema.

Informe ENSP: Qual é a consequência desse aquecimento para o crescimento dos eventos naturais extremos?

Paulo Artaxo: Está prevista a mudança no padrão mundial de chuvas. O relatório mostra que o Nordeste brasileiro e a parte leste da Amazônia terão menos chuvas que têm hoje. O sul da Europa e o sul da África também sofrerão com essa redução de precipitação. Isso também afetará a umidade do solo dessas regiões, o que traz consequências para a agricultura. O aumento da precipitação só foi previsto para a região Sul do Brasil. Na verdade, haverá um deslocamento do fluxo do vapor d’água das regiões tropicais para as regiões polares.

Outro ponto importante é a frequência dos eventos climáticos extremos, como chuvas fortes, tempestades, secas fortes. Teremos de lidar com isso tudo de maneira muito mais frequente em todos os pontos do globo por uma razão muito simples; se temos mais energia na atmosfera, a maneira de dissipar essa energia é através de eventos climáticos extremos.

Eventos como o que aconteceu na Região Serrana do Rio de Janeiro podem se tornar mais frequentes, e, obviamente, terá de ser feito um trabalho de reorganização da rede urbana de captação de água etc. nas cidades. Em São Paulo, já existe uma força-tarefa tentando redimensionar sua capacidade de drenagem por causa do possível aumento de precipitações. O Brasil ainda está muito atrasado nesta questão. No Brasil, também aumentarão em frequência e intensidade os fenômenos El Ninõ e La Ninã.

Informe ENSP: O que já está em pauta para ser discutido na Rio+20?

Paulo Artaxo: A redução da emissão de gases do efeito estufa, a construção de um sistema de informação climática mundial e a questão da governança são alguns dos pontos mais importantes que serão levados para ampla discussão da Rio+20.
Sobre a redução de gases de efeito estufa, o ozônio, o metano e o black carbon, que é a fumaça preta que sai das descargas de ônibus, têm uma particularidade que o CO2 não tem, pois eles têm meia-vida curta. Portanto, qualquer
redução focada neles terá rápida resposta. Então, se definirmos estratégias para a redução desses três gases, o sistema climático terá uma resposta mais rápida.

Passamos dois anos analisando esse impacto e chegamos à conclusão de que o efeito dessa redução simultânea pode fazer com que se diminua em até 0,5ºC. Porém o maior efeito está na saúde humana, pois, com a redução da emissão de ozônio e black carbon, se reduz também a mortalidade. Isso é um cobenefício grande e importante. O relatório aponta que quase 2,5 milhões de mortes prematuras poderiam ser evitadas pela redução da poluição urbana nos grandes centros do nosso planeta. Isso também melhoraria a questão da segurança alimentar, que é estratégica no mundo hoje. A redução do black carbon é factível, não custa muito dinheiro e tem um efeito climático muito grande.

Quanto mais tempo se deixa passar, menos eficiente fica a política de redução de emissão de gases de efeito estufa. Muitas pessoas estão pensando estratégias de geoengenharia drásticas para a redução desses poluentes. O curioso é que tem gente muito séria estudando e investindo dinheiro em pesquisas impensáveis. O importante é começarmos a perceber que, para fazer uma abordagem correta e frutífera da questão das mudanças climáticas globais, precisamos quebrar uma série de paradigmas de como a ciência está estruturada hoje.

É necessária a construção de um sistema de informação climática mundial. E não apenas meteorológico, mas que abranja atmosfera, oceanos, ecossistemas terrestres e, principalmente as questões socioeconômicas. Olhar apenas para cada uma das questões separadamente é inútil. A questão da governança dos sistemas globais é absolutamente estratégica e será um dos principais tópicos explorados na Rio+20. Nosso planeta tem limites sustentáveis, e precisamos trabalhar juntos para voltar a taxas aceitáveis.
 

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