quarta-feira, 28 de março de 2012

A redução da desnutrição infantil no Brasil é expressiva e realça desafios futuros


Os avanços brasileiros na redução da desnutrição infantil nas últimas décadas foram muito expressivos, representando uma queda de três vezes no déficit de peso para idade e de duas vezes no déficit de altura para idade em crianças menores de cinco anos somente no período de 1996 a 2006. Com isso, o Brasil alcançou antecipadamente as metas de desnutrição infantil do primeiro Objetivo de Desenvolvimento do Milênio, relacionado à redução da pobreza e da miséria, comprovando a importância da prioridade dada pelo governo federal a este tema. Em termos nacionais e regionais, as evidências apontam que os principais fatores para esta importante redução na desnutrição crônica foram o aumento da escolaridade materna, o aumento da renda familiar, a expansão da atenção básica à saúde e, em menor grau, a expansão do saneamento básico. Dessa forma, reforça-se a determinação social da desnutrição e a importância da articulação das políticas sociais. O aumento da escolaridade materna relaciona-se diretamente com o cuidado à criança e foi fruto das políticas de educação como a universalização da educação. O aumento da renda familiar, por sua vez, envolveu a combinação de fatores como a estabilidade monetária, o crescimento econômico, o aumento do salário mínimo e a expansão dos programas de transferência de renda (particularmente a partir do Programa Bolsa Família), que contribuíram para a melhoria do acesso à alimentação. A expansão da atenção básica à saúde veio, em grande parte, por meio da estratégia de saúde da família, que atualmente cobre mais de metade da população brasileira e reforça a garantia do direito à saúde, trazendo ações como o pré-natal, acompanhamento do crescimento e desenvolvimento das crianças, suplementação de micronutrientes e orientação alimentar e nutricional, entre outras. Por fim, o saneamento básico, que tem forte relação com a proteção contra doenças veiculadas pela água que afetam diretamente a morbimortalidade infantil, também teve avanços nas últimas décadas, mas ainda há grades lacunas de cobertura desses serviços. É importante destacar, portanto, há maior margem de crescimento e impacto sobre a desnutrição infantil na atenção às populações mais vulneráveis em todas as políticas sociais (renda, educação, saúde, saneamento) e é nelas que se foca o Brasil Sem Miséria, prioridade do Governo Federal. É importante, ainda, expandir a discussão dos problemas nutricionais da população brasileira para além da questão do estado nutricional, incorporando o problema epidemiológico das carências de micronutrientes, com destaque para a anemia e a hipovitaminose A, que representam importantes desafios que se colocam para o SUS, pois reforçam aspectos mais amplos da insegurança alimentar e nutricional e possuem relação direta com a morbimortalidade e o desenvolvimento infantis.

Com relação aos mesmos indicadores da pergunta anterior e ao contrário do que se observa na região NE, a região sul apresenta uma tendência contrária, com piora da situação no período de 1996 a 2006. A que a Sra. atribui essa tendência?

Vale esclarecer que, na realidade, não houve variação na prevalência de baixa estatura para idade na região sul, entre 1996 e 2006, pois as diferenças encontradas não são estatisticamente significantes, devido ao tamanho da amostra das PNDS. Em 2008-2009, a Pesquisa de Orçamentos Familiares inclusive confirmou que as menores prevalências deste indicador no país estão na região sul. Outro ponto que deve ser reforçado é que, por trás das médias nacionais, ainda se escondem diferenças importantes no país, em que a vulnerabilidade ainda se manifesta na região norte e em grupos populacionais específicos, como indígenas, populações e comunidades tradicionais (a exemplo dos quilombolas) e a população de menor renda (incluindo-se os beneficiários do Programa Bolsa Família). Além da priorização de ações intersetoriais proporcionada pelo Brasil Sem Miséria, há muitos pontos de ação específicos do setor saúde, orientando a redução dessas diferenças a partir das informações proporcionadas pela vigilância alimentar e nutricional, desde os inquéritos populacionais até o monitoramento na atenção básica à saúde com o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), trabalhando-se suas interfaces com as redes de atenção , com destaque para a Rede Cegonha, voltada para a qualificação da atenção à saúde materna e infantil, as estratégias de prevenção e controle de carências de micronutrientes, a promoção da alimentação saudável em todo o ciclo da vida, desde a promoção do aleitamento e da alimentação complementar saudável até as ações nos escolares, ambientes de trabalho e outros ambientes e públicos, e, no escopo mais amplo, a melhoria do acesso e qualidade da atenção básica e as ações intersetoriais como o componente de saúde do Programa Bolsa Família.

A taxa de prevalência do consumo recomendado de frutas e verduras mostra que mesmo no grupo de maior escolaridade essa taxa não chega a 1/3. Que intervenções podem ser adotadas ou estão sendo adotadas para melhorar essa situação?

De fato, as mudanças no perfil alimentar da população brasileira, com a diminuição do consumo de alimentos básicos e aumento no consumo de alimentos processados, são muito preocupantes. Nesse sentido, o consumo insuficiente de frutas, verduras e legumes é um de nossos principais problemas e tem relação direta com prioridades do Ministério da Saúde, como o controle e redução da obesidade, das doenças crônicas e das carências de micronutrientes. O conjunto de estratégias para a promoção da alimentação saudável, em que tem posição de destaque o estímulo a esse consumo, atravessa todo o ciclo da vida e extrapola o setor saúde, desde a formação de hábitos alimentares saudáveis na infância até a promoção da alimentação saudável em ambientes como locais de trabalho e escolas e articulando-se com as questões intersetoriais relacionadas à alimentação saudável. No âmbito dos serviços de saúde, a promoção da alimentação saudável inicia-se na orientação e apoio ao aleitamento materno exclusivo até os 6 meses de idade e a continuidade do aleitamento, em caráter complementar, até os dois anos de idade da criança. A partir dos 6 meses de vida, entra outra etapa fundamental na saúde e nutrição das crianças, que é a introdução da alimentação complementar, para a qual vem sendo implementada a Estratégia Nacional para a Alimentação Complementar Saudável (Enpacs), na qual é central a formação dos hábitos alimentares da criança, destacando-se a participação das frutas e verduras em sua alimentação. Ainda importante no âmbito dos serviços de saúde, é a implementação de ações do guia alimentar para a população brasileira pra todas as faixas do ciclo da vida, reforçando-se, também, os alimentos regionais. Permeando todas essas ações, temos um importante instrumento de monitoramento do perfil alimentar da população, que são os marcadores de consumo alimentar do Sisvan, a partir dos quais é possível monitorar o consumo de marcadores positivos da dieta, como as frutas, verduras, legumes e feijão, e dos negativos, como salgadinhos, biscoitos, refrigerantes e bebidas adoçadas, entre outros. No âmbito intersetorial, vale destacar o Programa Saúde na Escola, que permite por meio da articulação da atenção básica à saúde e as escolas, inserir mais fortemente agenda de alimentação e nutrição no ambiente escolar, reforçando as ações de educação e vigilância alimentar e nutricional. Também no contexto intersetorial, é importante destacar a potencialidade de ações voltadas para o público beneficiário do Programa Bolsa Família, articulando-se a educação alimentar e nutricional nos serviços de saúde e na rede de equipamentos sociais, incluindo suas interfaces com a agricultura familiar e outras políticas de produção e abastecimento.

Sabendo-se que esta agenda de estímulo ao consumo de frutas e verduras extrapola o setor saúde, é fundamental a articulação com os demais setores envolvidos com a implementação das políticas de segurança alimentar e nutricional, a partir dos princípios estabelecidos pela Lei Orgânica de SAN e da organização do Sisan (Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional), em que são instâncias centrais o Consea e a Caisan (Conselho Nacional e Câmara Interministerial de SAN, respectivamente), que permitem a articulação das políticas de produção, distribuição e abastecimento, a exemplo do Programa de Agricultura Familiar e do Programa de Aquisição de Alimentos, de modo a melhorar o acesso a alimentos saudáveis pela população, principalmente à de baixa renda.

Que outros achados a Sra. gostaria de comentar com relação aos indicadores relacionados à Alimentação e Nutrição publicados pelo Observatório?

A proposta do observatório para os indicadores em geral, e para os indicadores de alimentação e nutrição, em particular, vão de encontro à diretriz de vigilância alimentar e nutricional da população apresentada na Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), que se baseia em uma perspectiva ampla de indicadores e fontes de informações, que reforçam a determinação social da saúde e dos problemas relacionados à alimentação e nutrição. Tais iniciativas fortalecem a produção, intercâmbio e utilização das informações produzidas por inquéritos, pesquisas e sistemas de informação em saúde por pesquisadores, gestores e profissionais de saúde, aprimorando a produção de evidências para a tomada de decisões e formulação de políticas, programas e ações.
Patrícia Jaime/ Foto: arquivo pessoal



Patrícia Jaime
Citação Bibliográfica
Jaime P. A redução da desnutrição infantil no Brasil é expressiva e realça desafios futuros [entrevista na internet]. Rio de Janeiro: DSS Brasil; 2012 Mar 26. Entrevista concedida a Alberto Pellegrini Filho [acesso em]. Disponível em: http://dssbr.org/site/?post_type=entrevistas&p=9284&preview=true

Professora Associada do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo - FSP/USP - e atual Coordenadora da Coordenação Geral de Alimentação e Nutrição / DAB / SAS do Ministério da Saúde. Possui graduação em Nutrição pela Universidade Federal de Goiás (1994), mestrado (1999) e Doutorado (2001) em Saúde Pública pela USP, pós- doutorado em Epidemiologia Nutricional pelo NUPENS/USP (2003) e em Políticas Públicas de Alimentação e Nutrição na London School of Hygiene and Tropical Medicine, Reino Unido (2008).





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