sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Carreta da saúde

Um estudo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), concluiu que, entre 2005 e 2009, o país perdeu 11.214 leitos nos estabelecimentos de saúde, o que explica as grandes filas nas sete principais capitais (São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Brasília, Fortaleza, Belo Horizonte e Curitiba) do Brasil. Nesses locais, há estimativa de que 170 mil pessoas terão de esperar até cinco anos por uma cirurgia não emergencial.

A espera por um procedimento médico, mesmo não sendo emergencial, pode agravar ainda mais o estado de saúde do paciente. Hoje, algumas iniciativas têm ajudado a diminuir essa espera.

É o caso da Carreta da Saúde, um hospital sobre rodas, que já percorreu os estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio de Janeiro, beneficiando mais de 26 mil pessoas.
Hoje, o projeto é considerado o maior centro médico móvel do mundo. O caminhão tem 100m² quando está aberto e é composto de uma sala de ecocardiografia, uma sala de mamografia digital, um mini-centro cirúrgico com sala de procedimentos cirúrgicos e endoscópicos de pequeno porte conectados a vestiários, sala de limpeza e sala de desinfecção e esterilização, sala de repouso, expurgo, recepção, consultório médico, copa, três sanitários, rampa com escada e elevador elétrico para entrada e saída de pessoas com deficiência.

Com toda esta estrutura, a Carreta atende até dez especialidades com consultas e exames de média e alta complexidade, envolvendo ginecologia, urologia, cardiologia, gastroenterologia, mamografia, ultrassonografia, endoscopia digestiva, oftalmologia e otorrinolaringologia.

Para explicar mais sobre a Carreta da Saúde entrevistamos o idealizador do projeto, o médico gastroenterologista Dr. Roberto Kikawa. Confira abaixo.

Como surgiu a ideia de montar a Carreta da Saúde?



A Carreta da Saúde é uma ideia que foi sendo desenvolvida com o tempo, depois de ver a situação precária da saúde na Favela Pantanal, em São Paulo. Porém, desde a faculdade de Medicina pensava em alguma forma de levar atendimento médico de qualidade e atenção para as pessoas.


Naquele período, meu pai sofria com um câncer e vi o tipo de atendimento precário que ele recebeu em um hospital por ser considerado um paciente terminal. Porém, um casal de médicos missionários que cuidou dele depois que a equipe do hospital mandou-o para casa, mostrou o outro lado de um cuidado integral do paciente, que auxilia além da técnica da medicina, também o lado psicológico.


Estes médicos cuidavam com carinho do meu pai, assim como davam assistência a mim e à minha família. O que chamamos de cuidados paliativos. E foi quando meu pai se despedia de mim, pois a doença se agravou, que me pediu para prometer ser um médico como os que estavam cuidando dele. Naquele momento, eu acabei aceitando um desafio.


A minha ideia inicial era ser um médico ajudando as pessoas na África, mas, logo que comecei a atender famílias carentes aqui mesmo, em São Paulo, percebi que o Brasil tem várias Áfricas difíceis de serem acessadas pelos centros médicos fixos. Foi então que desenhei um projeto móvel para levar alta tecnologia e atendimento de qualidade e integral, com dedicação e amor, para os lugares de alta vulnerabilidade social.


Qual a importância deste trabalho para a sociedade?


Quando falamos em sociedade, precisamos analisar as três esferas. A primeira delas é a comunidade, que deve ser beneficiada. Para esta comunidade, estamos levando acesso à saúde e também o conceito de atendê-la, dando o carinho, dando o que ela necessita. Ao mesmo tempo, abrimos portas para o paciente ouvir, educando-o não somente na questão da prevenção primária, que é o que todo mundo usa, como por exemplo, “pare de fumar”, mas, também levando o conceito da prevenção secundária, que é o fato de maior importância atualmente, ou seja, a detecção precoce de doenças, principalmente o câncer, que faz com que ele possa ser atendido e ter a chance de alcaçar a cura. Isto também diminui os gastos de toda sociedade, de arcar com os custos de uma doença avançada e que às vezes não tem mais como trazer a cura.
A segunda esfera é a da iniciativa privada. Estamos trazendo o conceito da importância da parceria, mobilizando sua responsabilidade não apenas em relação à seus funcionários e familiares, mas também em relação a comunidade do entorno de suas empresas, mostrando a importância da saúde, da qualidade de vida na qual ela participa, apoiando projetos de prevenção e cuidados da saúde ao seu redor. A empresa pode participar muito ativamente, capacitando pessoas para ajudar nesses projetos. Por exemplo, capacitar pessoas que fazem a gestão do departamento pessoal para que possam ajudar nessas ações da Carreta da Saúde.


A terceira e a última esfera é a iniciativa pública, que é beneficiada também por trazermos este tipo de parceria para a comunidade em conjunto com a iniciativa privada, que pode participar desta gestão compartilhada com o poder público. Assim ele não fica só e tem o apoio de toda a sociedade para certamente levar a plenitude do SUS a toda comunidade.






Enfim, a saúde hoje não deve ser apenas responsabilidade do Estado, mas de toda sociedade. A saúde é um direito do cidadão.


Qual é a sensação de realizar um trabalho social como esse? É uma grande alegria e satisfação pelo fato do impacto social que podemos causar, com transformações na sociedade, tentando fazer parcerias e arranjos produtivos locais, com a intenção de melhorar a saúde e a qualidade de vida de qualquer população, principalmente estas de difícil acesso.


Há três anos a Carreta viaja por todo país. Durante esse tempo foi possível traçar um panorama sobre a atual situação da saúde pública no Brasil?


Nesses três anos, a Carreta visitou as regiões Sudeste e Sul do país como forma do nosso próprio planejamento estratégico que foi sendo aplicado nas comunidades próximas a nossa sede para que pudéssemos fazer uma análise crítica junto a essas diferentes comunidades, tanto do interior como do litoral. Nesse terceiro ano, estamos programando a extensão do Projeto para as regiões Nordeste e Centro Oeste do país. Com mais Carretas e outras unidades móveis, como a “Van da Saúde”, que já está em operação e o “Box da Saúde”, que está sendo executado. A van alcança regiões de difícil acesso como favelas, regiões montanhosas e serranas, já o Box pode chegar até regiões que não tenha estradas podendo ser transportada de balsa ou mesmo de helicóptero.

Certamente uma avaliação como essa de toda política de saúde do país seria ainda precoce. Mas, já temos a percepção que modelos como esse, de mobilidade integrada com uma gestão compartilhada entre o poder público, iniciativa privada e participação ativa da comunidade, é certamente uma alternativa de resolução da saúde nos centros mais periféricos, tanto pelo fato do investimento inicial, como da manutenção destes centros, pois a manutenção de um centro fixo em várias localidades tem se mostrado inviável e oneroso ao Estado. Já o investimento em uma estrutura móvel, mesmo que seja quase o mesmo que uma fixa, torna mais viável pelo fato de poder atender várias localidades com uma só estrutura investida, diminuindo ociosidade e obsolescência dos equipamentos de diagnóstico de alto valor agregado.

Qual o local visitado que mais surpreendeu ao senhor pela falta de estrutura na saúde pública?

Estivemos no Complexo do Alemão (RJ) em abril e verificamos a dificuldade de acesso da população devido a própria situação geográfica e recente pacificação da região. Agora estamos fazendo parceria com a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro e comunidades locais, como o AfroReggae, e, planejando um modelo sustentável local em saúde, integrada à educação e à comunidade, possivelmente com a utilização de vans, que permitam levar a equipe médica com equipamentos até as áreas de difícil acesso.

Em três anos de trabalho muitas histórias passaram pela Carreta. Poderia nos contra uma que significou algo especial para o senhor?

Uma história que me marcou bastante foi a de um senhor, que tinha problemas de catarata e saiu da Carreta enxergando. Ele estava há uns três ou quarto anos na fila de espera para fazer a cirurgia. Ele foi até a Carreta e com uma pequena incisão, uma mini cirurgia que agendamos com antecedência, assim como fazemos com todas as consultas, ele saiu enxergando.

Lembro que este senhor chorava de emoção durante o procedimento e tinha que pedir para ele parar completarmos a cirurgia. Foi muito gratificante. Esta é uma história, porém já realizamos mais de 200 casos como este de catarata. Usamos um moderno equipamento chamado Stellaris. Com ele diminuímos o tempo de operação de uma hora para até dez minutos. Outro benefício é a menor incisão na córnea do paciente. Antes os cortes tinham 10 mm, com o Stellaris fica em 1,8 mm, reduzindo os riscos de infecção.

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